A Ciência moderna é apresentada, na maioria
das vezes, em suas partes distintas ou especializadas, tanto na formação de
pesquisadores da área quanto de professores desse componente curricular na
Educação Básica. Já o ensino de Ciências Naturais (Biologia, Química e Física)
nas escolas vem sendo alvo de muitos questionamentos quanto aos procedimentos
metodológicos que são adotados para o desenvolvimento dos conteúdos e conceitos
com os estudantes. Uma das inquietações maiores está em, como
desenvolver/tratar com os estudantes e professores, os temas sociais como, por
exemplo, a transgenia, as células-tronco e outros temas, que envolvem a Ciência
e a Tecnologia, sem refletir sobre suas implicações sociais?
Sob esse ponto de vista, uma das preocupações
do texto é refletir o tema CTS na perspectiva da complexidade, ou seja, mostrar
que quando estudamos os fenômenos naturais eles precisam ser vistos numa outra
ótica, o da complexidade como uma possibilidade de compreensão dos mesmos.
Perceber as relações existentes entre a tríade CTS, quais as implicações
sociais da Ciência e Tecnologia é um fato pertinente nesse trabalho.
Para isso, o texto trata inicialmente sobre o
ensino-aprendizagem em Ciências Naturais sob o ponto de vista cartesiano, mas
mostra também propostas inovadoras que buscam melhorar essa maneira de ver o
mundo. Logo depois, traz a complexidade, a inter/transdisciplinaridade como
possíveis características importantes para a compreensão dos fenômenos
naturais. E por último, a complexidade, inter/transdisciplinaridade aliadas ao
estudo dos aspectos CTS.
O paradigma cartesiano no ensino de Ciências
Naturais
Estudos (MALDANER; ZANON, 2004), mostram
insuficiências na aprendizagem de conceitos e conteúdos pelos estudantes, por
isso propostas metodológicas curriculares como a Situação de Estudo (SE), são
produzidas e desenvolvidas para a Educação Básica. A SE tem como propósito,
além de acatar a possibilidade disciplinar que também é fundamental, considera
o caráter interdisciplinar aliado à vivência dos estudantes, a evolução
conceitual e sua significação no percurso das aulas, a formação inicial e
continuada de professores e a compreensão da relação entre conhecimento
científico, novas tecnologias e a sociedade (ARAÚJO et al, 2005).
Acreditamos que essa metodologia de trabalho possa permitir um avanço no
ensino-aprendizagem nos espaços formais e informais.
Trazemos inicialmente para a reflexão o
documentário “O Ponto de Mutação” (vídeo), baseado no livro com
o mesmo nome do físico austríaco Fritjof Capra (1986), que retrata a vida sob os aspectos biológicos,
físicos, sociais, políticos e poéticos, entre outros. Estes são apresentados
sob o ponto de vista mecanicista e holístico. Consideraremos a teoria derivada
do Método de Descartes, que explica a visão mecanicista, a natureza e seus
fenômenos, portanto funcionando como máquinas, que se compõem de partes. As máquinas possuem um conjunto de peças, com funções
específicas, que poderão ser compreendidas quando desmembradas e que, quando
somadas, constituem novamente o todo inicial. Acreditamos que essa idéia de
máquina possa estar relacionada com o pensamento tradicional de Ciência no que
diz respeito aos conteúdos e conceitos desenvolvidos nas escolas ainda hoje.
O diálogo do documentário destaca com ênfase
essa concepção mecanicista ao trazer a figura de uma árvore como exemplo de
análise, ou seja, cada parte funciona independentemente do restante: as raízes
nada têm a ver com o funcionamento do caule e das folhas. As raízes, no
entanto, absorvem os sais minerais e a água, o caule e os ramos conduzem as substâncias
e as folhas absorvem o gás carbônico, para realizar a fotossíntese e liberar o
oxigênio. Logo, uma parte complementa a outra para garantir a vida das plantas
e dos demais seres vivos.
Essa metáfora servirá como reflexão sobre o
ensino de Ciências Naturais desenvolvido hoje. A hiperespecialização dos
saberes advindo desse processo é uma realidade na área, pois cada vez mais
procuramos saber tudo sobre uma pequena parte. Especializamo-nos em citologia (estudo da célula), que é um ramo da Biologia, mas,
sabemos pouco sobre outros ramos, como a Botânica, a Zoologia, e menos ainda de
outras ciências, como a Química, a Física, que permitiriam compreender melhor
os fundamentos desse estudo. “Assim como ao se descer num poço a percepção do
terreno ao redor vai se tornando mais e mais difícil, o conhecimento
especializado pode conduzir a uma falta de percepção do contexto em que tal
conhecimento foi produzido. Pode conduzir, portanto, a distorções ao tratar das
implicações desse conhecimento” (D’AMBROSIO, 2001: 76).
Nas instituições escolares e no
dia-a-dia das pessoas está ainda muito presente esta visão cartesiana, ou seja,
a fragmentação, a linearidade, a descontextualização dos conteúdos e conceitos
escolares, os quais se apresentam, conforme Giordan “sem ligação com a
realidade vivida, sem perspectivas pessoais ou sociais e, sobretudo sem um
mínimo questionamento prévio, esses saberes são jogados na vida dos estudantes
como moscas que caem no prato da merenda escolar”. (2002: 226).
Cada vez faz-se mais presente nos meios
educacionais a convicção de que temos de avançar para que as vivências e
opiniões que os estudantes trazem para a sala de aula, ou seja, os
conhecimentos provenientes do “senso comum”, ou da sua realidade social, sejam
empregados para a compreensão dos conceitos científicos. “Não importa que esses
conceitos (do cotidiano) sejam diferentes daqueles (científicos) que a escola
ensina. Ambos são importantes no trabalho pedagógico, pois nele se enriquecem
mutuamente, conforme pressupostos de Vigotski” (MALDANER; ZANON, 2004: 52).
Nesse sentido, a proposta curricular de SE
busca repensar o processo de ensino-aprendizagem tradicional, por meio do
desenvolvimento de algumas características, dentre elas, a
inter-transdisciplinaridade nas aulas de Ciências Naturais, pois se acredita
que os fenômenos naturais sejam eles biológicos, físicos, químicos, sociais ou
mentais, não têm sentido real se não forem compreendidos na sua especificidade
e na sua complexidade.
A complexidade, a interdisciplinaridade e a
transdisciplinaridade
Edgar Morin ao formular a Teoria da
Complexidade sugere a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade como
estratégias cognitivas para analisar e compreender a realidade do mundo. Esta
também é uma preocupação dos educadores de Ciências Naturais em função,
justamente, do que está se ensinando para os estudantes e o que eles estão
aprendendo.
O conceito de complexidade é definido pelo
autor como “aquilo que está tecido junto, aquilo que está ligado”, ou seja, são
interações que caracterizam os fenômenos bio-físico-culturais, mas que também
têm suas incertezas, pois nada é absoluto na ciência. Segundo Morin
(2000: 59), “conhecer e pensar não é chegar a uma verdade
absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza”. Martinazzo (2004) considera
que o conhecimento nunca é algo fechado e pleno, mas aberto e recorrente, uma
vez que a natureza em si está em constante renovação/evolução, e, portanto, a
ciência também não é algo absoluto, mas provisório.
A compreensão da complexidade possibilita visualizar
a simplicidade (disjunção e redução) como “um paradigma que põe ordem no
universo e expulsa dele a desordem [...] vê quer o uno, quer o múltiplo, mas
não pode ver que o Uno pode ser ao mesmo tempo Múltiplo” (MORIN, 1990: 86).
Há uma tendência nas ciências em querer
separar as estruturas e as idéias para poder estudá-las, ou seja, tirar o
objeto de seu contexto para poder pesquisá-lo. Tenta-se atomizar, reduzir tudo
que existe, por exemplo, estudar os organismos, as células, as substâncias, as
moléculas, os átomos, os elétrons... Uma forma de desconectar o que está junto,
ou seja, analisar as partes separadamente, em vez de considerá-las no seu
conjunto e na sua relação entre parte-todo, pode ocorrer quando um biólogo
tenta classificar os seres vivos, colocá-los em seus “devidos lugares”,
conforme as suas características (VASCONCELOS, 2005). Para esta autora, pelo
princípio da estabilidade o mundo é considerado estável, ordenado, em que tudo
tem uma causa e um efeito, ou seja, é linear, objetivo, manipulável e
previsível. E no princípio da objetividade é possível conhecer o mundo assim
como ele é. O observador se distancia de sua pesquisa, fica de fora dela, ou
seja, longe do objeto, para ter uma visão abrangente e sem interferências. É
ter “realismo do universo” (VASCONCELOS, 2005). Essa maneira
de pensar engessa as observações e compreensões construídas pela Ciência
tradicional.
É muito difícil pensar a complexidade para
quem vive a simplicidade, mas sempre estudaremos com o “objeto em contexto”,
“depois de termos separado muito bem o sistema nervoso do sistema digestivo, é
extremamente assustador encontrar neurotransmissores no sistema digestivo e
hormônios digestivos no sistema nervoso” (VASCONCELOS, 2005: 111). Isso é a
complexidade, que não víamos até então porque nos ensinaram assim. “[...]
a inteligência que só sabe separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços
separados, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia
as possibilidades de compreensão e de reflexão, eliminando assim as
oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo” (MORIN,
2000: 14).
Giordan, ratificando o pensamento da
complexidade, estuda o organismo humano e reforça a necessidade da interligação
dos saberes afirmando que: “[...] todas as células – nosso corpo possui mais de
60.000 bilhões – dependem da regulação da água. Além do mais, tudo está
interligado: gerenciando a água, o organismo gerencia a concentração dos
diversos sais minerais, o pH, a pressão arterial, a temperatura e a velocidade
de reação das enzimas, o metabolismo, portanto. Nosso corpo é um conjunto tão
complexo que é inconcebível sem uma regulação de suas diversas funções” (2002:
231).
No organismo humano tudo se comunica com tudo,
mas não de qualquer maneira. “Cada rede de comunicação tem suas vantagens e
seus limites. [...] diante de um perigo imediato, é a de o organismo reagir
brutalmente por uma mensagem nervosa e cultivar depois, pela duração
necessária, a emissão de mensagens hormonais” (GIORDAN, 2002: 235). São
interações biológicas, químicas e físicas ocorrendo ao mesmo tempo com as
partes e com o todo, “é o todo que realiza a relação das partes entre elas
enquanto partes, de forma que, fora do todo, não há partes” (238). Por isso,
estudar os conteúdos das Ciências Naturais separadamente, como apresentado em
alguns livros didáticos, e muitas vezes nas discussões em sala de aula, é uma
concepção tradicional, pela qual não se consegue notar a ligação existente entre os conteúdos das áreas das Ciências
Naturais e até sociais, presentes no estudo de células, de tecidos, de órgãos,
de enzimas e assim por diante. “Na escola primária nos ensinam a isolar os
objetos (de seu meio ambiente), a separar as disciplinas (em vez de reconhecer
suas correlações), a dissociar os problemas, em vez de reunir e integrar.
Obrigam-nos a reduzir o complexo ao simples, isto é, a separar o que está
ligado; a decompor, e não a recompor; e a eliminar tudo que causa desordens ou
contradições em nosso entendimento” (MORIN, 2000: 15).
É necessário, pois, pensar que “a
interdisciplinaridade pode significar, pura e simplesmente, que diferentes
disciplinas são colocadas em volta de uma mesma mesa, como diferentes nações se
posicionam na ONU [...]. Mas interdisciplinaridade pode significar também troca
e cooperação” (MORIN, 2000: 115), o que tentamos desenvolver. Assim
sendo, a inter/transdisciplinaridade e a complexidade parecem suscitar a
elaboração de propostas curriculares como a Situação de Estudo (SE), que
satisfaçam este pressuposto, ao conceber o sujeito (estudante, professor,
comunidade escolar) e o seu contexto como fundamentos dessa relação.
Morin (2003: 138) esclarece ainda que a
interdisciplinaridade, por si só, não é capaz de romper com as barreiras
disciplinares, cada vez mais soberanas, em que cada disciplina reina como se
fosse a única a se fazer reconhecer. Assim, o autor busca a
transdisciplinaridade como uma possibilidade de intercambiar conceitos e
conhecimentos.
Segundo Martinazzo (2004: 92), “O
olhar transdisciplinar busca contextualizar os conceitos, observando os
diferentes e múltiplos vieses na apreensão da complexidade dos fenômenos e dos
objetos observados”. O autor ainda faz referência aos conceitos de inter e transdisciplinaridade: “A interdisciplinaridade se caracteriza
por uma comunicação e, até mesmo, colaboração entre as diferentes disciplinas,
mantendo-se, porém, cada uma com e em sua especificidade. Já na
transdisciplinaridade realiza-se um verdadeiro intercâmbio e uma transrelação
nos diferentes níveis de conhecimento. Ela rompe e supera as barreiras e as
fronteiras que delimitaram os conhecimentos em territórios fechados” (95).
Nesse sentido acreditamos que por meio da
complexidade, da inter/transdisciplinaridade e da valorização da vivência do
estudante no ensino de Ciências Naturais e, portanto, no currículo escolar,
será possível uma maior compreensão sob a perspectiva CTS e a necessidade de
desenvolver este propósito com os estudantes. É uma interação necessária e
complexa no mundo de hoje, em que a Ciência e a Tecnologia, muitas vezes,
envolvem e/ou influenciam o modo de vida das pessoas de maneira extremamente
contagiante. É preciso compreender que a Ciência e a Tecnologia não são
distintas do social, como, as relações com o meio ambiente.
Assim sendo, “devemos ‘ecologizar’ as
disciplinas, isto é, levar em conta tudo que lhes é contextual, inclusive as
condições culturais e sociais, ou seja, ver em que meio elas nascem, levantam
problemas, ficam esclerosadas e transformam-se” (MORIN, 2000: 115).
Complexidade e compreensão da relação CTS
Conforme Morin (2000) há muito tempo a
sociedade industrial está organizada na forma de um modelo“mecanoprodutivista
do positivismo”: o progresso científico levaria ao progresso técnico, este
ao desenvolvimento econômico e, por fim, ao progresso sociocultural.
Essa concepção de ciência envolveu as pessoas
de tal maneira que elas acreditaram e muitas ainda acreditam que a Ciência e a
Tecnologia provocam somente o bem - estar social e a felicidade de todos, sem
medir a repercussão e as conseqüências negativas advindas dessa forma de fazer
e pensar o mundo. O “bem - estar social” fez com que a maioria
das pessoas “tomasse” a ciência como um “deus”, que fosse resolver todos os
seus problemas, conforme afirmam Santos e Mortimer: “Passaram a confiar na
ciência e tecnologia como se confia em uma divindade [...] Como conseqüência do
cientificismo que emerge desse processo, a supervalorização da ciência gerou o
mito da salvação da humanidade, ao considerar que todos os problemas podem ser
resolvidos cientificamente” (2002: 1).
Nem todos os problemas, entretanto, podem ser
resolvidos cientificamente. O conhecimento científico e tecnológico, estudado
como algo desvinculado da realidade, sem relação com as questões sociais, é uma
forma que a ciência encontrou de manipular, objetivar, ou seja, controlar o
mais possível para a exatidão, a verdade do que se deseja.
Constata-se que os fenômenos naturais são
complexos, uma teia de relações que se não compreendida, percebida dessa
maneira, “desintegrará a complexidade do real” (MORIN, 1990) e
estará sendo simplificadora.
O estudo das relações CTS é uma das questões
que precisam ser abordadas e analisadas nestas relações, para que consigamos
perceber a realidade como sendo complexa, ou seja, perceber as conexões e
relações da realidade com um olhar não apenas disciplinar, mas
transdisciplinar.
Assim, apesar da boa intenção, nem sempre a
Ciência e a Tecnologia produzidas foram benéficas. Vários são os interesses de
poder que estão em jogo, principalmente no que se refere aos interesses
econômicos, como destaca Iglesias: “C&T é usada hoje na conquista de novos
mercados e na produção de novos produtos que acelerem o ciclo de absolescência
característico da sociedade de consumo. [...] grandes investimentos são
realizados na área de informática, onde famílias de computadores se tornam
absoletas em poucos anos. [...] As pesquisas sobre a Aids não têm tampouco uma
finalidade puramente humanitária; as indústrias químicas e farmacêuticas
esperam faturar bilhões de dólares com a produção de remédios e/ou uma vacina
para a doença” (1989: 166).
Temos uma noção de que a construção do
conhecimento científico e tecnológico e o seu rápido avanço nos trouxeram
muitas “regalias”, tais como a engenharia genética com a possibilidade de curar
doenças e prever o futuro delas, a clonagem terapêutica, o melhoramento
genético das plantas e dos animais (transgênicos), as células-tronco com a
possibilidade da especialização destas células em outras (regeneração de órgãos
e reprodução de outros). Isso sem mencionar as outras novidades da Ciência e da
Tecnologia, na área da computação, na área da eletroeletrônica, na área da
Química, da Física... Ao mesmo tempo em que ultrapassou os seus limites de
bondade e mostrou também um outro lado, que modificou significativamente as
relações entre os sujeitos e destes com o meio, provocando a dizimação imediata
ou em longo prazo de espécies animais e plantas, modificações da paisagem, como
desvio de rios e montanhas. Para efeito de exemplificação podemos citar a
degradação ambiental efetivada também pelo armamento químico (as bombas),
biológico; as indústrias, os carros, exalando poluentes na atmosfera causadores
de vários problemas como o aquecimento global, efeito estufa e as consequências
disso na natureza; a produção de alimentos com conservantes sintéticos, que
podem com o tempo levar ou não ao desenvolvimento de doenças ou alterações,
mutações, pois não temos tanta certeza do que isso pode ocasionar no futuro.
Em parte a escassa reflexão sobre a forma e o
modelo do conhecimento produzido traz algumas consequências negativas para as
nossas vidas e nos remete a analisar como e quando essas questões devem ser
discutidas pela população em geral. Isso é fundamental para que as pessoas
sejam científica e tecnologicamente “formadas” de modo a perceber problemas daí
decorrentes e construir soluções conscientes e referenciadas. É preciso
habilitar as pessoas para o tipo de ciência que está sendo produzida, para que
elas também possam ter o poder de decidir o que e até quando a ciência nos
beneficia ou nos prejudica, seja na área da saúde, na informática, ou seja, em
todos os aspectos. Estes, entre outros problemas advindos do conhecimento
científico e tecnológico, nos preocupam, uma vez que urge o descobrimento de
soluções imediatas, sob pena de as próximas gerações tenderem ao extermínio não
só como consequência das guerras.
Várias perguntas emergem quando pensamos o
ensino de Ciências Naturais: os estudantes estão sendo alfabetizados científica
e tecnologicamente? Para que fins a ciência e a tecnologia são inventadas e
designadas? A Ciência e a Tecnologia são percebidas na relação com a sociedade
e as temáticas sociais? Existem possibilidades de mudanças? Que concepção CTS
queremos desenvolver?
Há um pré-requisito indispensável que precisa ser atendido: uma reforma do modelo de pensamento.
“A reforma do pensamento é uma necessidade democrática fundamental: formar
cidadãos capazes de enfrentar os problemas de sua época é frear o
enfraquecimento democrático que suscita, em todas as áreas da política, a
expansão da autoridade dos experts, especialistas de toda a ordem,
que restringe progressivamente a competência dos cidadãos” (MORIN, 2000:
103-104).
A temática CTS emergiu de reflexões nos anos
de 60 e 70 do século XX, quando as consequências do avanço científico e
tecnológico estavam repercutindo na vida das pessoas, tanto nos seus aspectos
positivos quanto negativos. A Estrutura das Revoluções Cientificas, de Thomas Kunh, e Silent Spring (Primavera
Silenciosa), de Rachel Carson, obras publicadas em 1962, impulsionaram ainda
mais as discussões, favorecendo o debate político e promovendo a criação do
movimento CTS, que começou a ser considerado na educação básica (AULER et
al, 2001).
Defende-se aqui a necessidade de uma
alfabetização científica e tecnológica de cunho crítico e participativo nas
tomadas de decisão para a resolução de problemas da Ciência, ao invés da simples
transmissão-recepção de conteúdos e conceitos sem ao menos refletir, significar
e contextualizá-los. Isso será possível talvez na reorganização curricular como
possibilidade de mudança, uma possibilidade de reflexão sobre a natureza da
Ciência, sobre o papel da Ciência, da Tecnologia, dos temas sociais e suas
relações tão complexas.
Alguns objetivos da perspectiva CTS no
currículo escolar são propostos por Santos e Mortimer (2002): “[...]
desenvolver a alfabetização científica e tecnológica dos cidadãos, auxiliando o
aluno a construir conhecimentos, habilidades e valores necessários para tomar
decisões responsáveis sobre questões de ciência e tecnologia na sociedade e
atuar na solução de tais questões” (4).
No momento em que a tríade CTS em muitas situações
vem sendo estudada como conceitos separados e inclusive descontextualizados do
meio em que as pessoas vivem, embora existam grupos de estudos como o Gipec
(Grupo Interdepartamental de Pesquisa sobre Educação nas Ciências) na Unijuí
(Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul), que na
produção e desenvolvimento de Situações de Estudo tentam abordar nas aulas de
Ciências Naturais essa questão, a educação para a autoformação da pessoa e sua
cidadania por meio da inter/transdiciplinaridade torna-se um mediador dessa
responsabilidade que é educar para a responsabilidade de sua nação, e educar
para as tomadas de decisão quanto às questões da Ciência e Tecnologia.
E, com certeza, essa questão não será de
imediato resolvida, mas a tematização contínua e a elaboração de propostas que
a leve em conta permitirão a compreensão dessa visão de mundo
complexa, que pressupõe superar
as instituições parceladas e fragmentadas, em que o todo é mais que a simples soma das partes. Há necessidade de sermos persistentes na
mudança para alcançar uma melhor qualidade de vida e um pensamento “que
compreenda que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e que
o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes” (MORIN, 2000: 88).
A temática CTS no currículo de Ciências
Naturais pode permitir junto da perspectiva da complexidade, necessariamente, o
envolvimento de uma reflexão sobre a natureza da Ciência, sobre os valores das
atividades científicas, sobre os métodos para a validação de um conhecimento,
sobre a relação com a tecnologia, sobre as relações da sociedade com o sistema
tecnocientífico e vice-versa e as contribuições desse para a cultura e para o
progresso da sociedade (ACEVEDO et al, 2005: 122-123). A educação
científica “debe proporcionar conocimientos para compreender mejor los mundos
natural y artificial por médio de la indagación, destrezas y habilidades que
son imprescindibles [...] para poder desenvolverse mejor en la vida cotidiana”
(125), para assim poder participar das decisões tecnocientíficas que afetam os
cidadãos.
Enfim, a complexidade nesse processo é
importante, pois possibilita perceber o enredamento de um problema social sob
diversos aspectos, sejam eles políticos, econômicos, biológicos, químicos e/ou
outros, podendo esclarecer melhor a compreensão do mundo da vida, que não é
compartimentado, estanque, mas complexo.
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