quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A perspectiva da complexidade na compreensão da relação Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) no ensino de Ciências Naturais

A Ciência moderna é apresentada, na maioria das vezes, em suas partes distintas ou especializadas, tanto na formação de pesquisadores da área quanto de professores desse componente curricular na Educação Básica. Já o ensino de Ciências Naturais (Biologia, Química e Física) nas escolas vem sendo alvo de muitos questionamentos quanto aos procedimentos metodológicos que são adotados para o desenvolvimento dos conteúdos e conceitos com os estudantes. Uma das inquietações maiores está em, como desenvolver/tratar com os estudantes e professores, os temas sociais como, por exemplo, a transgenia, as células-tronco e outros temas, que envolvem a Ciência e a Tecnologia, sem refletir sobre suas implicações sociais?
Sob esse ponto de vista, uma das preocupações do texto é refletir o tema CTS na perspectiva da complexidade, ou seja, mostrar que quando estudamos os fenômenos naturais eles precisam ser vistos numa outra ótica, o da complexidade como uma possibilidade de compreensão dos mesmos. Perceber as relações existentes entre a tríade CTS, quais as implicações sociais da Ciência e Tecnologia é um fato pertinente nesse trabalho.
Para isso, o texto trata inicialmente sobre o ensino-aprendizagem em Ciências Naturais sob o ponto de vista cartesiano, mas mostra também propostas inovadoras que buscam melhorar essa maneira de ver o mundo. Logo depois, traz a complexidade, a inter/transdisciplinaridade como possíveis características importantes para a compreensão dos fenômenos naturais. E por último, a complexidade, inter/transdisciplinaridade aliadas ao estudo dos aspectos CTS.
O paradigma cartesiano no ensino de Ciências Naturais
Estudos (MALDANER; ZANON, 2004), mostram insuficiências na aprendizagem de conceitos e conteúdos pelos estudantes, por isso propostas metodológicas curriculares como a Situação de Estudo (SE), são produzidas e desenvolvidas para a Educação Básica. A SE tem como propósito, além de acatar a possibilidade disciplinar que também é fundamental, considera o caráter interdisciplinar aliado à vivência dos estudantes, a evolução conceitual e sua significação no percurso das aulas, a formação inicial e continuada de professores e a compreensão da relação entre conhecimento científico, novas tecnologias e a sociedade (ARAÚJO et al, 2005). Acreditamos que essa metodologia de trabalho possa permitir um avanço no ensino-aprendizagem nos espaços formais e informais.
Trazemos inicialmente para a reflexão o documentário “O Ponto de Mutação” (vídeo), baseado no livro com o mesmo nome do físico austríaco Fritjof Capra (1986), que retrata a vida sob os aspectos biológicos, físicos, sociais, políticos e poéticos, entre outros. Estes são apresentados sob o ponto de vista mecanicista e holístico. Consideraremos a teoria derivada do Método de Descartes, que explica a visão mecanicista, a natureza e seus fenômenos, portanto funcionando como máquinas, que se compõem de partes. As máquinas possuem um conjunto de peças, com funções específicas, que poderão ser compreendidas quando desmembradas e que, quando somadas, constituem novamente o todo inicial. Acreditamos que essa idéia de máquina possa estar relacionada com o pensamento tradicional de Ciência no que diz respeito aos conteúdos e conceitos desenvolvidos nas escolas ainda hoje.
O diálogo do documentário destaca com ênfase essa concepção mecanicista ao trazer a figura de uma árvore como exemplo de análise, ou seja, cada parte funciona independentemente do restante: as raízes nada têm a ver com o funcionamento do caule e das folhas. As raízes, no entanto, absorvem os sais minerais e a água, o caule e os ramos conduzem as substâncias e as folhas absorvem o gás carbônico, para realizar a fotossíntese e liberar o oxigênio. Logo, uma parte complementa a outra para garantir a vida das plantas e dos demais seres vivos.
Essa metáfora servirá como reflexão sobre o ensino de Ciências Naturais desenvolvido hoje. A hiperespecialização dos saberes advindo desse processo é uma realidade na área, pois cada vez mais procuramos saber tudo sobre uma pequena parte. Especializamo-nos em citologia (estudo da célula), que é um ramo da Biologia, mas, sabemos pouco sobre outros ramos, como a Botânica, a Zoologia, e menos ainda de outras ciências, como a Química, a Física, que permitiriam compreender melhor os fundamentos desse estudo. “Assim como ao se descer num poço a percepção do terreno ao redor vai se tornando mais e mais difícil, o conhecimento especializado pode conduzir a uma falta de percepção do contexto em que tal conhecimento foi produzido. Pode conduzir, portanto, a distorções ao tratar das implicações desse conhecimento” (D’AMBROSIO, 2001: 76).
 Nas instituições escolares e no dia-a-dia das pessoas está ainda muito presente esta visão cartesiana, ou seja, a fragmentação, a linearidade, a descontextualização dos conteúdos e conceitos escolares, os quais se apresentam, conforme Giordan “sem ligação com a realidade vivida, sem perspectivas pessoais ou sociais e, sobretudo sem um mínimo questionamento prévio, esses saberes são jogados na vida dos estudantes como moscas que caem no prato da merenda escolar”. (2002: 226).
Cada vez faz-se mais presente nos meios educacionais a convicção de que temos de avançar para que as vivências e opiniões que os estudantes trazem para a sala de aula, ou seja, os conhecimentos provenientes do “senso comum”, ou da sua realidade social, sejam empregados para a compreensão dos conceitos científicos. “Não importa que esses conceitos (do cotidiano) sejam diferentes daqueles (científicos) que a escola ensina. Ambos são importantes no trabalho pedagógico, pois nele se enriquecem mutuamente, conforme pressupostos de Vigotski” (MALDANER; ZANON, 2004: 52).
Nesse sentido, a proposta curricular de SE busca repensar o processo de ensino-aprendizagem tradicional, por meio do desenvolvimento de algumas características, dentre elas, a inter-transdisciplinaridade nas aulas de Ciências Naturais, pois se acredita que os fenômenos naturais sejam eles biológicos, físicos, químicos, sociais ou mentais, não têm sentido real se não forem compreendidos na sua especificidade e na sua complexidade.
A complexidade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade
Edgar Morin ao formular a Teoria da Complexidade sugere a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade como estratégias cognitivas para analisar e compreender a realidade do mundo. Esta também é uma preocupação dos educadores de Ciências Naturais em função, justamente, do que está se ensinando para os estudantes e o que eles estão aprendendo.
O conceito de complexidade é definido pelo autor como “aquilo que está tecido junto, aquilo que está ligado”, ou seja, são interações que caracterizam os fenômenos bio-físico-culturais, mas que também têm suas incertezas, pois nada é absoluto na ciência. Segundo Morin (2000: 59), “conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza”. Martinazzo (2004) considera que o conhecimento nunca é algo fechado e pleno, mas aberto e recorrente, uma vez que a natureza em si está em constante renovação/evolução, e, portanto, a ciência também não é algo absoluto, mas provisório.
A compreensão da complexidade possibilita visualizar a simplicidade (disjunção e redução) como “um paradigma que põe ordem no universo e expulsa dele a desordem [...] vê quer o uno, quer o múltiplo, mas não pode ver que o Uno pode ser ao mesmo tempo Múltiplo” (MORIN, 1990: 86).
 Há uma tendência nas ciências em querer separar as estruturas e as idéias para poder estudá-las, ou seja, tirar o objeto de seu contexto para poder pesquisá-lo. Tenta-se atomizar, reduzir tudo que existe, por exemplo, estudar os organismos, as células, as substâncias, as moléculas, os átomos, os elétrons... Uma forma de desconectar o que está junto, ou seja, analisar as partes separadamente, em vez de considerá-las no seu conjunto e na sua relação entre parte-todo, pode ocorrer quando um biólogo tenta classificar os seres vivos, colocá-los em seus “devidos lugares”, conforme as suas características (VASCONCELOS, 2005). Para esta autora, pelo princípio da estabilidade o mundo é considerado estável, ordenado, em que tudo tem uma causa e um efeito, ou seja, é linear, objetivo, manipulável e previsível. E no princípio da objetividade é possível conhecer o mundo assim como ele é. O observador se distancia de sua pesquisa, fica de fora dela, ou seja, longe do objeto, para ter uma visão abrangente e sem interferências. É ter “realismo do universo” (VASCONCELOS, 2005). Essa maneira de pensar engessa as observações e compreensões construídas pela Ciência tradicional.
É muito difícil pensar a complexidade para quem vive a simplicidade, mas sempre estudaremos com o “objeto em contexto”, “depois de termos separado muito bem o sistema nervoso do sistema digestivo, é extremamente assustador encontrar neurotransmissores no sistema digestivo e hormônios digestivos no sistema nervoso” (VASCONCELOS, 2005: 111). Isso é a complexidade, que não víamos até então porque nos ensinaram assim. “[...] a inteligência que só sabe separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de compreensão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo” (MORIN, 2000: 14).
Giordan, ratificando o pensamento da complexidade, estuda o organismo humano e reforça a necessidade da interligação dos saberes afirmando que: “[...] todas as células – nosso corpo possui mais de 60.000 bilhões – dependem da regulação da água. Além do mais, tudo está interligado: gerenciando a água, o organismo gerencia a concentração dos diversos sais minerais, o pH, a pressão arterial, a temperatura e a velocidade de reação das enzimas, o metabolismo, portanto. Nosso corpo é um conjunto tão complexo que é inconcebível sem uma regulação de suas diversas funções” (2002: 231).
No organismo humano tudo se comunica com tudo, mas não de qualquer maneira. “Cada rede de comunicação tem suas vantagens e seus limites. [...] diante de um perigo imediato, é a de o organismo reagir brutalmente por uma mensagem nervosa e cultivar depois, pela duração necessária, a emissão de mensagens hormonais” (GIORDAN, 2002: 235). São interações biológicas, químicas e físicas ocorrendo ao mesmo tempo com as partes e com o todo, “é o todo que realiza a relação das partes entre elas enquanto partes, de forma que, fora do todo, não há partes” (238). Por isso, estudar os conteúdos das Ciências Naturais separadamente, como apresentado em alguns livros didáticos, e muitas vezes nas discussões em sala de aula, é uma concepção tradicional, pela qual não se consegue notar a ligação existente entre os conteúdos das áreas das Ciências Naturais e até sociais, presentes no estudo de células, de tecidos, de órgãos, de enzimas e assim por diante. “Na escola primária nos ensinam a isolar os objetos (de seu meio ambiente), a separar as disciplinas (em vez de reconhecer suas correlações), a dissociar os problemas, em vez de reunir e integrar. Obrigam-nos a reduzir o complexo ao simples, isto é, a separar o que está ligado; a decompor, e não a recompor; e a eliminar tudo que causa desordens ou contradições em nosso entendimento” (MORIN, 2000: 15).
É necessário, pois, pensar que “a interdisciplinaridade pode significar, pura e simplesmente, que diferentes disciplinas são colocadas em volta de uma mesma mesa, como diferentes nações se posicionam na ONU [...]. Mas interdisciplinaridade pode significar também troca e cooperação” (MORIN, 2000: 115), o que tentamos desenvolver. Assim sendo, a inter/transdisciplinaridade e a complexidade parecem suscitar a elaboração de propostas curriculares como a Situação de Estudo (SE), que satisfaçam este pressuposto, ao conceber o sujeito (estudante, professor, comunidade escolar) e o seu contexto como fundamentos dessa relação.
Morin (2003: 138) esclarece ainda que a interdisciplinaridade, por si só, não é capaz de romper com as barreiras disciplinares, cada vez mais soberanas, em que cada disciplina reina como se fosse a única a se fazer reconhecer. Assim, o autor busca a transdisciplinaridade como uma possibilidade de intercambiar conceitos e conhecimentos.
Segundo Martinazzo (2004: 92), “O olhar transdisciplinar busca contextualizar os conceitos, observando os diferentes e múltiplos vieses na apreensão da complexidade dos fenômenos e dos objetos observados”. O autor ainda faz referência aos conceitos de inter e transdisciplinaridade: “A interdisciplinaridade se caracteriza por uma comunicação e, até mesmo, colaboração entre as diferentes disciplinas, mantendo-se, porém, cada uma com e em sua especificidade. Já na transdisciplinaridade realiza-se um verdadeiro intercâmbio e uma transrelação nos diferentes níveis de conhecimento. Ela rompe e supera as barreiras e as fronteiras que delimitaram os conhecimentos em territórios fechados” (95).
Nesse sentido acreditamos que por meio da complexidade, da inter/transdisciplinaridade e da valorização da vivência do estudante no ensino de Ciências Naturais e, portanto, no currículo escolar, será possível uma maior compreensão sob a perspectiva CTS e a necessidade de desenvolver este propósito com os estudantes. É uma interação necessária e complexa no mundo de hoje, em que a Ciência e a Tecnologia, muitas vezes, envolvem e/ou influenciam o modo de vida das pessoas de maneira extremamente contagiante. É preciso compreender que a Ciência e a Tecnologia não são distintas do social, como, as relações com o meio ambiente.
Assim sendo, “devemos ‘ecologizar’ as disciplinas, isto é, levar em conta tudo que lhes é contextual, inclusive as condições culturais e sociais, ou seja, ver em que meio elas nascem, levantam problemas, ficam esclerosadas e transformam-se” (MORIN, 2000: 115).
Complexidade e compreensão da relação CTS
Conforme Morin (2000) há muito tempo a sociedade industrial está organizada na forma de um modelo“mecanoprodutivista do positivismo”: o progresso científico levaria ao progresso técnico, este ao desenvolvimento econômico e, por fim, ao progresso sociocultural.
Essa concepção de ciência envolveu as pessoas de tal maneira que elas acreditaram e muitas ainda acreditam que a Ciência e a Tecnologia provocam somente o bem - estar social e a felicidade de todos, sem medir a repercussão e as conseqüências negativas advindas dessa forma de fazer e pensar o mundo. O “bem - estar social” fez com que a maioria das pessoas “tomasse” a ciência como um “deus”, que fosse resolver todos os seus problemas, conforme afirmam Santos e Mortimer: “Passaram a confiar na ciência e tecnologia como se confia em uma divindade [...] Como conseqüência do cientificismo que emerge desse processo, a supervalorização da ciência gerou o mito da salvação da humanidade, ao considerar que todos os problemas podem ser resolvidos cientificamente” (2002: 1).
Nem todos os problemas, entretanto, podem ser resolvidos cientificamente. O conhecimento científico e tecnológico, estudado como algo desvinculado da realidade, sem relação com as questões sociais, é uma forma que a ciência encontrou de manipular, objetivar, ou seja, controlar o mais possível para a exatidão, a verdade do que se deseja.
Constata-se que os fenômenos naturais são complexos, uma teia de relações que se não compreendida, percebida dessa maneira, “desintegrará a complexidade do real” (MORIN, 1990) e estará sendo simplificadora.
O estudo das relações CTS é uma das questões que precisam ser abordadas e analisadas nestas relações, para que consigamos perceber a realidade como sendo complexa, ou seja, perceber as conexões e relações da realidade com um olhar não apenas disciplinar, mas transdisciplinar.
Assim, apesar da boa intenção, nem sempre a Ciência e a Tecnologia produzidas foram benéficas. Vários são os interesses de poder que estão em jogo, principalmente no que se refere aos interesses econômicos, como destaca Iglesias: “C&T é usada hoje na conquista de novos mercados e na produção de novos produtos que acelerem o ciclo de absolescência característico da sociedade de consumo. [...] grandes investimentos são realizados na área de informática, onde famílias de computadores se tornam absoletas em poucos anos. [...] As pesquisas sobre a Aids não têm tampouco uma finalidade puramente humanitária; as indústrias químicas e farmacêuticas esperam faturar bilhões de dólares com a produção de remédios e/ou uma vacina para a doença” (1989: 166).
Temos uma noção de que a construção do conhecimento científico e tecnológico e o seu rápido avanço nos trouxeram muitas “regalias”, tais como a engenharia genética com a possibilidade de curar doenças e prever o futuro delas, a clonagem terapêutica, o melhoramento genético das plantas e dos animais (transgênicos), as células-tronco com a possibilidade da especialização destas células em outras (regeneração de órgãos e reprodução de outros). Isso sem mencionar as outras novidades da Ciência e da Tecnologia, na área da computação, na área da eletroeletrônica, na área da Química, da Física... Ao mesmo tempo em que ultrapassou os seus limites de bondade e mostrou também um outro lado, que modificou significativamente as relações entre os sujeitos e destes com o meio, provocando a dizimação imediata ou em longo prazo de espécies animais e plantas, modificações da paisagem, como desvio de rios e montanhas. Para efeito de exemplificação podemos citar a degradação ambiental efetivada também pelo armamento químico (as bombas), biológico; as indústrias, os carros, exalando poluentes na atmosfera causadores de vários problemas como o aquecimento global, efeito estufa e as consequências disso na natureza; a produção de alimentos com conservantes sintéticos, que podem com o tempo levar ou não ao desenvolvimento de doenças ou alterações, mutações, pois não temos tanta certeza do que isso pode ocasionar no futuro.
Em parte a escassa reflexão sobre a forma e o modelo do conhecimento produzido traz algumas consequências negativas para as nossas vidas e nos remete a analisar como e quando essas questões devem ser discutidas pela população em geral. Isso é fundamental para que as pessoas sejam científica e tecnologicamente “formadas” de modo a perceber problemas daí decorrentes e construir soluções conscientes e referenciadas. É preciso habilitar as pessoas para o tipo de ciência que está sendo produzida, para que elas também possam ter o poder de decidir o que e até quando a ciência nos beneficia ou nos prejudica, seja na área da saúde, na informática, ou seja, em todos os aspectos. Estes, entre outros problemas advindos do conhecimento científico e tecnológico, nos preocupam, uma vez que urge o descobrimento de soluções imediatas, sob pena de as próximas gerações tenderem ao extermínio não só como consequência das guerras.
Várias perguntas emergem quando pensamos o ensino de Ciências Naturais: os estudantes estão sendo alfabetizados científica e tecnologicamente? Para que fins a ciência e a tecnologia são inventadas e designadas? A Ciência e a Tecnologia são percebidas na relação com a sociedade e as temáticas sociais? Existem possibilidades de mudanças? Que concepção CTS queremos desenvolver?
Há um pré-requisito indispensável que precisa ser atendido: uma reforma do modelo de pensamento. “A reforma do pensamento é uma necessidade democrática fundamental: formar cidadãos capazes de enfrentar os problemas de sua época é frear o enfraquecimento democrático que suscita, em todas as áreas da política, a expansão da autoridade dos experts, especialistas de toda a ordem, que restringe progressivamente a competência dos cidadãos” (MORIN, 2000: 103-104).
A temática CTS emergiu de reflexões nos anos de 60 e 70 do século XX, quando as consequências do avanço científico e tecnológico estavam repercutindo na vida das pessoas, tanto nos seus aspectos positivos quanto negativosA Estrutura das Revoluções Cientificas, de Thomas Kunh, e Silent Spring (Primavera Silenciosa), de Rachel Carson, obras publicadas em 1962, impulsionaram ainda mais as discussões, favorecendo o debate político e promovendo a criação do movimento CTS, que começou a ser considerado na educação básica (AULER et al, 2001).
Defende-se aqui a necessidade de uma alfabetização científica e tecnológica de cunho crítico e participativo nas tomadas de decisão para a resolução de problemas da Ciência, ao invés da simples transmissão-recepção de conteúdos e conceitos sem ao menos refletir, significar e contextualizá-los. Isso será possível talvez na reorganização curricular como possibilidade de mudança, uma possibilidade de reflexão sobre a natureza da Ciência, sobre o papel da Ciência, da Tecnologia, dos temas sociais e suas relações tão complexas.
Alguns objetivos da perspectiva CTS no currículo escolar são propostos por Santos e Mortimer (2002): “[...] desenvolver a alfabetização científica e tecnológica dos cidadãos, auxiliando o aluno a construir conhecimentos, habilidades e valores necessários para tomar decisões responsáveis sobre questões de ciência e tecnologia na sociedade e atuar na solução de tais questões” (4).
No momento em que a tríade CTS em muitas situações vem sendo estudada como conceitos separados e inclusive descontextualizados do meio em que as pessoas vivem, embora existam grupos de estudos como o Gipec (Grupo Interdepartamental de Pesquisa sobre Educação nas Ciências) na Unijuí (Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul), que na produção e desenvolvimento de Situações de Estudo tentam abordar nas aulas de Ciências Naturais essa questão, a educação para a autoformação da pessoa e sua cidadania por meio da inter/transdiciplinaridade torna-se um mediador dessa responsabilidade que é educar para a responsabilidade de sua nação, e educar para as tomadas de decisão quanto às questões da Ciência e Tecnologia.
E, com certeza, essa questão não será de imediato resolvida, mas a tematização contínua e a elaboração de propostas que a leve em conta permitirão a compreensão dessa visão de mundo complexa, que pressupõe superar as instituições parceladas e fragmentadas, em que o todo é mais que a simples soma das partes. Há necessidade de sermos persistentes na mudança para alcançar uma melhor qualidade de vida e um pensamento “que compreenda que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e que o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes” (MORIN, 2000: 88).
A temática CTS no currículo de Ciências Naturais pode permitir junto da perspectiva da complexidade, necessariamente, o envolvimento de uma reflexão sobre a natureza da Ciência, sobre os valores das atividades científicas, sobre os métodos para a validação de um conhecimento, sobre a relação com a tecnologia, sobre as relações da sociedade com o sistema tecnocientífico e vice-versa e as contribuições desse para a cultura e para o progresso da sociedade (ACEVEDO et al, 2005: 122-123). A educação científica “debe proporcionar conocimientos para compreender mejor los mundos natural y artificial por médio de la indagación, destrezas y habilidades que son imprescindibles [...] para poder desenvolverse mejor en la vida cotidiana” (125), para assim poder participar das decisões tecnocientíficas que afetam os cidadãos.

Enfim, a complexidade nesse processo é importante, pois possibilita perceber o enredamento de um problema social sob diversos aspectos, sejam eles políticos, econômicos, biológicos, químicos e/ou outros, podendo esclarecer melhor a compreensão do mundo da vida, que não é compartimentado, estanque, mas complexo.
 
Referências
ACEVEDO et al. Naturaleza de la ciência y educación científica para la participación ciudadana. Una revisión crítica. In: Revista Eureka sobre Enseñanza y Divulgación de las ciencias, Vol. 2, nº 2, p.121-140, 2005.
ARAÚJO et. al. Situações de Estudo como forma de inovação curricular em Ciências Naturais. In: Sifod - III Simpósio de Formación Docente, Oberá, 2005.
AULER, Décio. Interações entre Ciência-Tecnologia – Sociedade no contexto da formação de professores de Ciências. Florianópolis: UFSC, Tese de Doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2002.
AULER, Décio et al. Reflexões para a implementação do movimento CTS no contexto educacional brasileiro. In: Ciência e Educação, v.7, nº1, p.1-13, 2001. Acesso em 12 de abril de 2007: http://www2.ufpa.br/ensinofts/artigo4/ctsbrasil.pdf
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1986.
D’AMBROSIO, Ubiratan. Transdisciplinaridade. 2º ed. São Paulo: Palas Athena, 2001, 174 p.
GIORDAN, André. As principais funções de regulação do corpo humano. In: MORIN, Edgar. A Religação dos Saberes: o desafio do século XXI. 3º ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, 583 p.
IGLESIAS, José Roberto. Goiânia: ciência e magia. In: Ciência e Cultura (Revista da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) 41(2): 163-170 fevereiro de 1989.
MALDANER, Otavio Aloisio; ZANON, Lenir Basso. Situação de Estudo - Uma organização do ensino que extrapola a formação disciplinar em Ciências. In: MORAES, Roque; MANCUSO, Ronaldo. Educação em Ciências-Produção de currículos e formação de professores. Ijuí/RS: Ed. Unijuí, 2004, p.43-64.
MARTINAZZO, Celso. A utopia de Edgar Morin: da complexidade à concidadania planetária. 2º ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004, 109 p.
MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. 2º ed. Paris: Instituto Piaget, 1990, 177 p.
_____. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, 128 p.
_____. Ciência Com Consciência. 7º ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, 350p.
SANTOS, W. L. P. e MORTIMER, E. F. Uma análise de pressupostos teóricos da abordagem C-T-S (Ciência – Tecnologia – Sociedade) no contexto da Educação Brasileira. Ensaio. V. 02, n.2, Dez. 2002.
VASCONCELOS, Maria J. Esteves de. Pensamento Sistêmico: o novo paradigma da ciência. 4º ed. Campinas/SP: Papirus, 2005, 255 p.

por SANDRA MARA MEZALIRA

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